*Matéria com chamada na capa do Jornal
Estacionamento rotativo completa um ano em Pelotas
Motoristas ouvidos pelo Diário Popular na área central apoiam a medida e dizem que mudança foi para melhor
Por: Vinícius Waltzer
vinicius@diariopopular.com.br
Há exatamente um ano, Nilton Souza chegou à rua Doutor Cassiano, Centro de Pelotas, onde trabalhara por mais de duas décadas, e a encontrou vazia. Guardador de carros, sentiu que perdia ali a base de seu sustento. Com a instalação do Estacionamento Rotativo no centro da cidade e o afastamento inicial dos motoristas para outras vias, o homem de 62 anos completamente adaptado ao ambiente teria de se reinventar.
Hoje, olhando para trás, acredita que foi melhor. Vinculado a um projeto social na Catedral São Francisco de Paula, cuida dos veículos deixados no entorno da igreja.
Percorrendo a área central e conversando com motoristas, o sentimento de que a região mudou para melhor é quase uma unanimidade. A impressão é de que, assim como Souza, a população adaptou-se à novidade e, um ano depois, tem uma relação mais racional em relação ao uso dos espaços na Área Azul. Quem trabalha dentro do quadrilátero reservado ao sistema dos parquímetros, opta entre pagar para estacionar ou deixar o veículo algumas quadras mais longe.
Há também quem aponte dificuldades. É o caso do motorista profissional, Cláudio Carvalho, que trabalha na rua 15 de Novembro, a duas quadras da Área Azul. Ele conta que ficou mais complicado encontrar vagas onde não há parquímetros. “Muita gente resolveu estacionar para esta região, para não precisar pagar, e é preciso persistência para achar espaço”, conta. Ainda assim, Carvalho se diz usuário do Rotativo, quando necessário, e acha positivo.
Opinião compartilhada pela secretária executiva Michele Sá, de 32 anos. Acostumada à correria do centro e das várias idas ao banco, há um ano só usava estacionamento privativo, pelo menos duas vezes mais caro. “Agora é muito mais tranquilo. É a segunda vez que estou vindo para o centro. Estaciono, faço o que preciso, pego o carro e vou embora”, comenta.
Outros caminhos
Pivôs de uma das polêmicas da implantação do sistema, os guardadores de carros seguiram rumos diversos. Muitos fizeram como Souza, apenas migrando para ruas do centro onde os parquímetros não foram instalados. “Alguns eu não sei o que estão fazendo, que deixaram o ramo, mas a maioria está por aí, ou com os cartões ou guardando e lavando carros”, conta Souza.
“Com os cartões” significa que o cuidador recebeu treinamento da empresa que opera o rotativo e está trabalhando informalmente no auxílio aos usuários. Hoje são poucos, mas já foram 14. Para garantir o sustento, retiram o cartão pré-pago de uso dos parquímetros com um desconto de 20% e vendem as horas de uso pelo valor normal do estacionamento.
A diferença – são R$ 2,80 em cada cartão de R$ 14,00 – é o lucro dos guardadores.
Para Cléder da Silva Albuquerque, 50 anos de vida e mais de 30 guardando carros em frente à prefeitura, o valor é suficiente. Não expõe quanto consegue por dia, mas garante que consegue manter o mesmo padrão anterior ao rotativo. Como na volta da praça tem movimento sempre, mesmo não tendo uma renda fixa, diz conseguir sobreviver. “No início o estacionamento rotativo parecia um monstro, mas é bom, principalmente para quem usa”, afirma.
A uma quadra dali, em frente ao Grande Hotel, um colega enfrenta mais dificuldade. Dos 53 anos que tem de vida, 44 deles Nei Roberto Porto dedicou a guardar veículos no centro da cidade. Pelo tempo de serviço e os conhecidos que fez, foi um dos selecionados a receber o treinamento para vender os créditos dos cartões aos usuários. Apesar do ponto bom, credita à timidez de se oferecer para trocar o ticket pelo dinheiro dos usuários ao baixo desempenho nas vendas.
O sistema não traz prejuízos aos motoristas. Em muitos casos, a presença dos guardadores facilita. Além de informar o funcionamento, eles facilitam a questão do troco. Ainda assim, não são raras as pessoas que optam por inserir as moedas na máquina em vez de darem ao guardador. “Eu acho que se eu tivesse uma identificação, um jaleco, passaria mais confiança”, acredita Porto, que raramente consegue ganhar R$ 20,00 em um dia e diz, hoje, depender da ajuda dos filhos para sobreviver.
O comerciante Eutias Gonçalves, de 67 anos, entende o drama social e prefere ajudar. Mesmo acostumado a utilizar o parquímetro, chama Porto para auxiliá-lo. “Eu chamo mesmo para dar uma força, porque entendo que hoje ele não tem o ganho que tinha”, explica. Sobre o estacionamento, Gonçalves faz questão de enfatizar: “melhorou cem por cento”.
Como sistema, é case de sucesso
O modelo de estacionamento implantado em 29 de agosto de 2013 hoje é apontado pelo superintendente de Trânsito da Secretaria de Gestão da Cidade e Mobilidade Urbana (SGCMU), Flávio Al-Alam, como exemplo para muitos municípios. Além de defender que o trânsito no centro ficou muito mais tranquilo depois da implantação, Al-Alam conta que a população em breve terá acesso aos frutos do que é recolhido com a cobrança.
Graças à concorrência provocada pelo fato de Pelotas ter sido uma das últimas cidades de porte médio a implantar o rotativo, o contrato com a empresa Serttel, que venceu a licitação, garantiu ao município uma fatia de 26% do que é arrecadado no sistema. “É um bom percentual, comparando com outras cidades, e nos rende uma média de R$ 50 mil por mês”, relata o superintendente. A primeira medida tomada com a utilização destes recursos será a reformulação do sistema semafórico, com requalificação de quase metade dos cruzamentos da cidade.
Foram quase 15 anos de tentativas de implantação até o ano passado, quando finalmente saiu do papel. Antes disso, cidades como Bagé, Rio Grande e Caxias já acumulavam experiências com as vagas tarifadas. Com um sistema moderno, que aceita várias formas de pagamento, a leitura feita pelo Poder Público é de que o funcionamento em Pelotas é bom, mesmo com problemas pontuais. Ainda não há previsão de ampliação, segundo Al-Alam, mas podem acontecer alguns ajustes.